DPC Athos Treptow manda a postagem...
Mesmo após um quarto de século do término do regime de exceção no País existem alguns agentes públicos que agem como os déspotas de então, isso ocorrendo inclusive na nossa (do povo) Polícia Civil. E nesse interregno vimos nascer a Constituição Cidadã, a derrubada do Muro de Berlim, a dissolução da União Soviética (URSS) entre os mais proeminentes acontecimentos em prol da democracia. Mas, parece que o senso dessas ações transformadoras para o Estado Democrático de Direito não conseguiu ser absorvido por todos os patrícios.
Na década de 70, dentro daquele regime de exceção, um colega ainda no básico do curso de Direito na UFPA, expunha nas conversas reservadas uma história alegórica, sátira surrealista, debatida em exposição de sala de aula, fazendo menção ao livro intitulado “Os pecados da tribo”, de José J. Veiga (1915-1999), lançado no ano de 1976.
Contava o colega um trecho que seria dessa obra. Havia um país de regime totalitário que recebera a visita diplomática de representantes de outros países. O ditador baixou então um decreto distribuindo uma cota de fogos de artifícios para que, de cada casa, fossem lançados à noite, enquanto durasse a visita diplomática. Alguns operários que eram obrigados a exceder a carga horária de trabalho duro acharam-se no direito de ponderar tal edito, elaborando um memorial pedindo a isenção daquela tarefa, pois precisavam descansar tão logo chegassem a seus lares para enfrentar a labuta do dia seguinte.
O governante, ao ler o abaixo-assinado, achou um desplante aquela manifestação. E assim, usando do sarcasmo, despachou contrário ao pleito. Ora, concluiu o déspota, se eles (os trabalhadores) haviam encontrado tempo para escrever aquele memorial, disporiam de tempo para realizar a tarefa pirotécnica, mandando-lhes dobrar a cota de fogos. E nos dias que se seguiram à permanência estrangeira naquele país, os visitantes assistiam entusiasmados à pirotecnia reinante do lugar, concluindo que o povo era feliz e vivia em constante festa. A alegoria do autor é oportuna na medida em que o povo de um regime totalitário é obrigado a se submeter uma porção de coisas absurdas.
SALOMÃO diz no livro de Eclesiastes que nada há de novo debaixo do sol.
MARX, que “A história se repete. A primeira vez como tragédia e a segunda como farsa”.
Esse preâmbulo serve para chamar atenção a um fato ocorrido dentro da nossa instituição policial civil. No início deste mês, sete delegados lotados na recém-instalada Divisão de Homicídios elaboraram um memorando destinado àqueles que fazem a gestão da Polícia Civil, a começar pelo titular da referida divisão, fazendo ponderações quanto ao efetivo diminuto, às tarefas impostas e sua execução, as dificuldades encontradas, os embaraços e outros itens, buscando seu equacionamento, ou seja, sua apreciação e avaliação e, consequente resolução. Encerraram os postulantes seu pedido, no sentido de ser providenciada a inclusão de mais policiais para integrarem as equipes plantonistas daquela divisão e a disponibilização de mais viaturas descaracterizadas, com vistas à melhora da produção e qualidade de seus procedimentos. Qual o absurdo, qual o exagero, qual o desrespeito do pedido? Nenhum! Nenhum mesmo. Mas as providências vieram em forma de retaliação, de represália.
Um “recadinho” pra lá de significativo, do tipo, isso é só o começo! Então, dos signatários do memorando, duas colegas foram removidas para outras divisões. Lembrei então de um pensamento de NIETZSCHE: “O Estado é o mais frio dos monstros, da sua boca sai a seguinte mentira: eu, o Estado, sou o povo”. E não me venham com explicações, pois, tais atos, como, inadequadamente, foi ocorrer, sem o princípio da motivação, embute o alerta, plagiando Luis XV, de que “a administração sou eu”. Um desfecho tal qual a alegoria de José J. Veiga. Ah, vocês tem tempo de estar escrevendo memorandos? Ah, então não precisam de mais gente, vão trabalhar. Vamos diminuir o efetivo, vamos desarticular o grupo. E agora vocês deem o seu jeito com as condições existentes. Um exemplo de que a “lição” de “Os pecados da tribo”, passados quase 40 anos, lamentavelmente é usada na nossa Polícia Civil do século 21.
Roberto Pimentel, presidente da ADAPPA.